Autores:
Carolina
Lima;
Kátia
Nascimento;
Patrícia
Alves;
UFRRJ, Departamento de Educação e Sociedade, Devires da Educação
na Baixada Fluminense e Antropologia e Educação, cassiaufrrj@gmail.com
RESUMO EXPANDIDO
O presente
trabalho originou-se das atividades desenvolvidas pelos estudantes bolsistas do Programa
Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência, PIBID, do curso de Pedagogia da
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, do campus Nova Iguaçu, dentre
eles, dois participam do projeto de pesquisa “Cidade, Infância e Escola:
produção de subjetividade e desafios para a educação” financiada pela FAPERJ e
ainda em fase inicial. Este projeto vincula-se aos grupos de pesquisa – Antropologia e Educação e Devires da Educação na
Baixada Fluminense – que têm em comum a valorização da educação como campo
interdisciplinar. No programa de
iniciação à docência, o trabalho com as crianças tem como objetivo principal
pensar a docência associada à pesquisa, a fim de interrogar a educação na
atualidade, e, assim, concebê-la de tal modo que a
própria pesquisa aproxime-se da arte de narrar. Esta afirmação leva-nos a trazer
para o debate a vinculação e desvinculação entre pesquisa e docência, uma vez
que nem todo docente é necessariamente um pesquisador. Há aqueles mais atraídos
e os menos inclinados, mas todo professor e pesquisador precisa aprender a
ouvir o outro e a dialogar com as crianças e também com a teoria e a prática. Torna-se
fundamental destacar que neste trabalho, estamos continuamente nos deparando
com as questões da escuta das crianças e da condução do diálogo entre
sujeito-criança e sujeito-pesquisador. Nas observações em salas de aula e nos
encontros realizados com as crianças de 5 a 8 anos, em uma escola pública da
rede municipal de Nova Iguaçu, semanalmente, desde setembro de 2012, o gênero
foi um fator que vem provocando reflexões em relação à ordem do feminino e
masculino nas culturas em que vivem as meninas e os meninos. Surgem as
seguintes questões: Pode-se compreender a cultura da infância a partir do
conceito de gênero? Como as crianças concebem masculino e feminino? Buscamos
analisar as formas de sociabilidade como relevante objeto de estudo que
evidencia as questões de gênero, materializadas em conflitos em torno do tempo escolar
e nas maneiras privilegiadas das crianças inserirem-se nas brincadeiras.
Entendemos que a
escola é também um espaço de convivência social para as crianças na cidade, o
que pode nos ajudar a relacionar as culturas das infâncias, gênero e sociabilidade. Em busca da compreensão dos modos de
sociabilidade na escola, tornar-se-á fundamental as narrativas das crianças na
escolas e os detalhes dos encontros com estas e de suas brincadeiras no período
de um ano letivo. Os conceitos de cultura, gênero e sociabilidade serão
centrais. Nesta direção, propomos refletir sobre as culturas das infâncias numa
perspectiva que valorize o gênero como expressão da sociabilidade.
Sobre os
encontros com as crianças
Trazemos, aqui, as narrativas das falas e
histórias contadas pelas crianças de 5 a 8 anos em uma escola infantil da rede
pública de Nova Iguaçu. Detalharemos os encontros e as reflexões acerca do
processo de convívio com elas como fundamento teórico-metodológico da pesquisa.
Assim, consideramos a narrativa como ato de significação, um modo de discurso,
em que os sujeitos, criança e adulto, ao narrar, constroem significados.
Reconhecer a criança como sujeito que
tem voz, sonhos, desejos, talentos e capacidades, implica apontar a roda de conversa entre crianças e
adultos como questão fundamental de pesquisa. As conversas entre criança-sujeito
e adulto-investigador pressupõem ouvir e falar sem hierarquizar a
condução do diálogo, como possibilidade de quebrar cristalizações, quase sempre
superficiais e preconceituosas. A escuta tem o
sentido de conhecer e compreender as culturas infantis tanto como fonte de
orientação para a atividade a ser realizada com elas, quanto como forma de
estabelecer o diálogo geracional e intercultural, mas, sobretudo, para construir
abordagens teóricas que possibilitam interrogar o tempo escolar com a intenção
de indagar sobre a educação. Conhecer o que as crianças fazem, sentem, pensam sobre a sua vida e o mundo, ou seja, as
culturas infantis, e como se desenvolvem as relações sociais na escola, são os
objetos de estudo desta pesquisa.
Nas rodas de conversas com as crianças de várias idades,
destacamos o diálogo e a escuta como questões
teórico-metodológicas que nos vêm levando à reflexão a partir da interpretação
do que as crianças contam e os diferentes de modos de “recolher” as suas vozes nos
encontros. Desse ponto de vista, entendemos
que a infância subsisti em todas as fases da vida humana, e as crianças são
sujeitos sociais “implicados
nas mudanças e sendo mudados nos mundos sociais e culturais em que vivem, e
como protagonistas e repórteres competentes das suas próprias experiências e
entendimentos – elas são, portanto, as melhores informantes do seu aqui e
agora’’ (Ferreira, M.M.M., 2008, p. 149 in A
Criança Fala).
A organização de encontros com duração
aproximadamente de 50 minutos foi adotada como metodologia, e vem-nos
desafiando na elaboração de estratégias que possibilitam a troca e a interação,
mais do que as perguntas a serem elaboradas. Assim, realizamos os encontros
cruzando fala e diálogos com produções que são feitas pelas próprias crianças,
como por exemplo, os desenhos. Também gravamos os encontros com o sentido de
favorecer uma reflexão sobre o diálogo e a escuta, propiciando uma análise de nosso ponto de vista adulto. No mês
de setembro, realizamos os encontros com o tema da escola e no mês de outubro,
com o tema da cidade. É realizado um encontro em cada turma de educação
infantil (crianças de 5 anos), 1 ano do ensino fundamental (crianças 6 e 7 anos)
e 2 anos do ensino fundamental (crianças
7 e 8 anos). Os encontros são desenvolvidos com três adultos e contam
com a presença do professor na turma e do professor-supervisor da escola,
registrados com as situações, observações e reflexões levadas para as rodas de
conversa com os participantes da PIBID. Antes de iniciarmos um novo tema,
conversamos com as crianças sobre a produção cultural delas em relação ao tema
proposto para o mês.
No contexto
dessas reflexões, perguntamo-nos sobre o que vêm a ser os encontros com as
crianças e a observação em termos de um trabalho de pesquisa em equipe no
interior de uma programa de iniciação à docência? Ainda não temos resposta para
esta pergunta.
O masculino e o
feminino nos encontros com as crianças
Nos encontros realizados com as crianças
com a intenção de conhecê-las, o gênero foi aparecendo como uma questão ao
longo de nossas rodas de conversa. Quando abordamos o tema da escola, notamos
diferenças nas relações que os meninos estabelecem com as meninas que expressam
desejo de jogar bola, a partir dos diálogos entre eles. Uma das meninas da
turma de educação infantil declarou: “Eu gosto de brincar de bola!” e,
imediatamente, um menino disse: “Essa brincadeira é de menino! Você é menino
por acaso para brincar de bola?” Em outro diálogo, uma menina manifestou a
vontade de brincar com o jogo de botão e
alguns meninos falaram: “Esse brinquedo
é de menino! Vai para outro grupo, que coisa feia!”
É importante ressaltar que, na sala de
aula, os espaços são demarcados, existem dois grupos, um formado somente por
meninas e outro formando somente por meninos. Cada grupo tem seus brinquedos.
A partir desses encontros, buscamos a
leitura do livro Dominação Masculina de Pierre Bourdieu, que enfoca a masculinidade enquanto objeto de reflexão teórica. Ele examina o
masculino nas relações de gênero a partir do conceito de “trocas simbólicas” em
que a mulher passa a ser – dentro das relações sociais – objeto de troca,
determinado pelo interesse dos homens, reproduzindo o capital simbólico destes
homens e sua dominação masculina.O pesquisador australiano Robert Connel
forneceu as bases para tais constatações historiográficas, ao conceituar a
masculinidade enquanto “uma configuração de prática em torno da posição dos
homens na estrutura das relações de gênero”. Quando se refere às
“configurações práticas”, fala de ações reais, e não do que é esperado,
imaginado ou estipulado. Ao referir-se à “prática” comenta que a ação formadora
da masculinidade tem uma racionalidade proposital e um sentido histórico
definido. Quanto à “posição dos homens” referencia-a às relações sociais. Ao
referir-se à estrutura de “relações de gênero” utiliza a palavra gênero em
sentido amplo, compreendendo economia, estado, família, sexualidade, política,
nação, sendo o gênero “sempre uma estrutura contraditória”. Utilizando esta
conceituação, o autor afirma que não podemos falar em somente uma, mas em
diversas masculinidades sócio-historicamente construídas, sendo uma delas a
portadora de um status de “hegemônica” e as demais masculinidades periféricas.
A partir da leitura desses autores,
consideramos importante compreender as sociabilidades por meio das relações
sociais entre as meninas e os meninos na escola, o que significa realizar uma
observação de como os meninos e as meninas, os grupos, relacionam-se em seus
encontros e desencontros. Os encontros não seriam, também, uma necessidade de
troca nos dias de hoje? Tal indagação levou-nos a
refletir sobre as culturas da infância e as sociabilidades na escola, envolvendo
um diálogo sobre as possibilidades de relação proporcionadas às crianças no
ambiente escolar, e como estas se relacionam com os objetos e com os outros
neste espaço.
Considerações
sobre nossa experiência
Como a intenção deste trabalho foi compartilhar
a experiência dos encontros com as crianças e a questão do gênero foi surgindo
como fator reflexivo no processo de trabalho, gostaríamos de destacar algumas
considerações sobre nossa experiência. Uma das mais relevantes deste trabalho
até o momento, foi possibilitar um espaço de conversa com as crianças e estar
aprendendo a desenvolver um olhar antropológico sobre as culturas infantis e a
importância do gênero na sociabilidade, no ambiente escolar. Destacamos,
entretanto, que ainda não foi possível desenvolver uma análise sobre as formas
de sociabilidade e sua relação com o gênero e as culturas infantis. Foi possível apenas perceber nos desenhos a
identificação do masculino e do feminino, o que podemos exemplificar com alguns
desenhos significativos das crianças.
Num dos desenhos da turma das crianças
de 5 anos, realizado com caneta
hidrocor, uma menina divide o papel em duas partes com uma linha. De um lado,
desenha as brincadeiras dos meninos e, do outro lado, ela desenha as das
meninas.
Desenho 1
Além das bolas e pranchas para os meninos e a casa para as meninas, um garoto do 1º ano do ensino
fundamental desenhou para os meninos: bonecos, bicicleta, motocicleta,
carrinhos e jogo de futebol e, para as meninas: bonecas, bicicleta, aparelho de som e flores. A menina do 2º ano
do ensino fundamental desenhou, para os que meninos, as pipas e, para as
meninas, as brincadeiras de casinha e corrida.
Desenho 2
Cabe ressaltar a construção do masculino e do feminino nestes desenhos, onde
aparece a divisão entre meninos e meninas, sugerindo relações entre as formas
de viver a masculinidade e a feminilidade e as culturas infantis.
Agradecimentos
Nossos
agradecimentos ao CNPQ pela concessão de bolsa de iniciação científica, à
FAPERJ pela realização da pesquisa junto aos grupos – Devires da Educação na
Baixada Fluminense e Antropologia e Educação – e às professoras Célia Linhares,
Lucia da Silva e Miriam Santos, que vêm generosamente compartilhando nossas
reflexões.
Referências bibliográficas
CRUZ, Silvia Helena Vieira(org.). A criança fala. São Paulo: Cortez, Editora, 2008.
Educ. Soc., Campinas, vol. 28, n. 100 -
Especial, p. 1059-1083, out. 2007. Disponível em http://www.cedes.unicamp.br
VELHO,
Gilberto. Entrevista concedida a Celso Castro, Lucia Lippi Oliveira e Marieta de
Moraes Ferreira em 3 de julho de 2001. Estudos
Históricos. Rio de Janeiro. N. 28, 2001, p. 183-210.
DAUSTER, Tania (org.). Antropologia
e Educação. Rio de Janeiro: Forma & Ação, Editora, 2007.
BOURDIEU, Pierre. A
dominação masculina. Rio de Janeiro: Bertrand, Editora,1997. CONNELL, Robert. Políticas da Masculinidade. Educação
e Realidade, Porto Alegre. Vol. 20 (2), 1995.
* Esse trabalho vincula-se aos
grupos de pesquisa – Antropologia e Educação e Devires da Educação na
Baixada Fluminense. Estudantes bolsistas do curso de Pedagogia da Universidade Federal Rural do
Rio de Janeiro, do campus Nova Iguaçu,
vinculados ao Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência,
participam do projeto de pesquisa “CIDADE, INFÂNCIA E ESCOLA: PRODUÇÃO DE
SUBJETIVIDADE E DESAFIOS PARA A EDUCAÇÃO”
financiado pela FAPERJ sob a orientação da professora Cássia Maria
Baptista de Oliveira, lotada no Departamento de Educação e Sociedade
(cassiaufrrj@gmail.com)..
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