quarta-feira, 5 de junho de 2013

DIFERENÇA DE GÊNERO NA ESCOLA




Autores:
Carolina Lima;
Kátia Nascimento;
Patrícia Alves;
UFRRJ, Departamento de Educação e Sociedade, Devires da Educação na Baixada Fluminense e Antropologia e Educação, cassiaufrrj@gmail.com



RESUMO EXPANDIDO


O presente trabalho originou-se das atividades desenvolvidas  pelos estudantes bolsistas do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência, PIBID, do curso de Pedagogia da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, do campus Nova Iguaçu, dentre eles, dois participam do projeto de pesquisa “Cidade, Infância e Escola: produção de subjetividade e desafios para a educação” financiada pela FAPERJ e ainda em fase inicial. Este projeto vincula-se aos grupos de pesquisa – Antropologia e Educação e Devires da Educação na Baixada Fluminense – que têm em comum a valorização da educação como campo interdisciplinar.  No programa de iniciação à docência, o trabalho com as crianças tem como objetivo principal pensar a docência associada à pesquisa, a fim de interrogar a educação na atualidade, e, assim, concebê-la de tal modo que a própria pesquisa aproxime-se da arte de narrar. Esta afirmação leva-nos a trazer para o debate a vinculação e desvinculação entre pesquisa e docência, uma vez que nem todo docente é necessariamente um pesquisador. Há aqueles mais atraídos e os menos inclinados, mas todo professor e pesquisador precisa aprender a ouvir o outro e a dialogar com as crianças e também com a teoria e a prática. Torna-se fundamental destacar que neste trabalho, estamos continuamente nos deparando com as questões da escuta das crianças e da condução do diálogo entre sujeito-criança e sujeito-pesquisador. Nas observações em salas de aula e nos encontros realizados com as crianças de 5 a 8 anos, em uma escola pública da rede municipal de Nova Iguaçu, semanalmente, desde setembro de 2012, o gênero foi um fator que vem provocando reflexões em relação à ordem do feminino e masculino nas culturas em que vivem as meninas e os meninos. Surgem as seguintes questões: Pode-se compreender a cultura da infância a partir do conceito de gênero? Como as crianças concebem masculino e feminino? Buscamos analisar as formas de sociabilidade como relevante objeto de estudo que evidencia as questões de gênero, materializadas em conflitos em torno do tempo escolar e nas maneiras privilegiadas das crianças inserirem-se nas brincadeiras.
Entendemos que a escola é também um espaço de convivência social para as crianças na cidade, o que pode nos ajudar a relacionar as culturas das infâncias, gênero  e sociabilidade. Em busca da compreensão dos modos de sociabilidade na escola, tornar-se-á fundamental as narrativas das crianças na escolas e os detalhes dos encontros com estas e de suas brincadeiras no período de um ano letivo. Os conceitos de cultura, gênero e sociabilidade serão centrais. Nesta direção, propomos refletir sobre as culturas das infâncias numa perspectiva que valorize o gênero como expressão da sociabilidade.


Sobre os encontros com as crianças


Trazemos, aqui, as narrativas das falas e histórias contadas pelas crianças de 5 a 8 anos em uma escola infantil da rede pública de Nova Iguaçu. Detalharemos os encontros e as reflexões acerca do processo de convívio com elas como fundamento teórico-metodológico da pesquisa. Assim, consideramos a narrativa como ato de significação, um modo de discurso, em que os sujeitos, criança e adulto, ao narrar, constroem significados.
Reconhecer a criança como sujeito que tem voz, sonhos, desejos, talentos e capacidades, implica apontar a roda de conversa entre crianças e adultos como questão fundamental de pesquisa. As conversas entre criança-sujeito e adulto-investigador pressupõem ouvir e falar sem hierarquizar a condução do diálogo, como possibilidade de quebrar cristalizações, quase sempre superficiais e preconceituosas. A escuta tem o sentido de conhecer e compreender as culturas infantis tanto como fonte de orientação para a atividade a ser realizada com elas, quanto como forma de estabelecer o diálogo geracional e intercultural, mas, sobretudo, para construir abordagens teóricas que possibilitam interrogar o tempo escolar com a intenção de indagar sobre a educação. Conhecer o que as crianças fazem, sentem, pensam  sobre a sua vida e o mundo, ou seja, as culturas infantis, e como se desenvolvem as relações sociais na escola, são os objetos de estudo desta pesquisa. 
Nas rodas de conversas com as crianças de várias idades, destacamos o diálogo e a escuta como questões teórico-metodológicas que nos vêm levando à reflexão a partir da interpretação do que as crianças contam e os diferentes de  modos de “recolher” as suas vozes nos encontros.  Desse ponto de vista, entendemos que a infância subsisti em todas as fases da vida humana, e as crianças são sujeitos sociais “implicados nas mudanças e sendo mudados nos mundos sociais e culturais em que vivem, e como protagonistas e repórteres competentes das suas próprias experiências e entendimentos – elas são, portanto, as melhores informantes do seu aqui e agora’’ (Ferreira, M.M.M., 2008, p. 149 in A Criança Fala).
A organização de encontros com duração aproximadamente de 50 minutos foi adotada como metodologia, e vem-nos desafiando na elaboração de estratégias que possibilitam a troca e a interação, mais do que as perguntas a serem elaboradas. Assim, realizamos os encontros cruzando fala e diálogos com produções que são feitas pelas próprias crianças, como por exemplo, os desenhos. Também gravamos os encontros com o sentido de favorecer uma reflexão sobre o diálogo e a escuta, propiciando uma  análise de nosso ponto de vista adulto. No mês de setembro, realizamos os encontros com o tema da escola e no mês de outubro, com o tema da cidade. É realizado um encontro em cada turma de educação infantil (crianças de 5 anos), 1 ano do ensino fundamental (crianças  6 e 7 anos)  e 2 anos do ensino fundamental (crianças  7 e 8 anos). Os encontros são desenvolvidos com três adultos e contam com a presença do professor na turma e do professor-supervisor da escola, registrados com as situações, observações e reflexões levadas para as rodas de conversa com os participantes da PIBID. Antes de iniciarmos um novo tema, conversamos com as crianças sobre a produção cultural delas em relação ao tema proposto para o mês.     
No contexto dessas reflexões, perguntamo-nos sobre o que vêm a ser os encontros com as crianças e a observação em termos de um trabalho de pesquisa em equipe no interior de uma programa de iniciação à docência? Ainda não temos resposta para esta pergunta.   


O masculino e o feminino nos encontros com as crianças


Nos encontros realizados com as crianças com a intenção de conhecê-las, o gênero foi aparecendo como uma questão ao longo de nossas rodas de conversa. Quando abordamos o tema da escola, notamos diferenças nas relações que os meninos estabelecem com as meninas que expressam desejo de jogar bola, a partir dos diálogos entre eles. Uma das meninas da turma de educação infantil declarou: “Eu gosto de brincar de bola!” e, imediatamente, um menino disse: “Essa brincadeira é de menino! Você é menino por acaso para brincar de bola?” Em outro diálogo, uma menina manifestou a vontade de brincar com o  jogo de botão e alguns meninos falaram:  “Esse brinquedo é de menino! Vai para outro grupo, que coisa feia!”
É importante ressaltar que, na sala de aula, os espaços são demarcados, existem dois grupos, um formado somente por meninas e outro formando somente por meninos. Cada grupo tem seus brinquedos.
A partir desses encontros, buscamos a leitura do livro Dominação Masculina de Pierre Bourdieu, que enfoca a masculinidade enquanto objeto de reflexão teórica. Ele examina o masculino nas relações de gênero a partir do conceito de “trocas simbólicas” em que a mulher passa a ser – dentro das relações sociais – objeto de troca, determinado pelo interesse dos homens, reproduzindo o capital simbólico destes homens e sua dominação masculina.O pesquisador australiano Robert Connel forneceu as bases para tais constatações historiográficas, ao conceituar a masculinidade enquanto “uma configuração de prática em torno da posição dos homens na estrutura das relações de gênero”. Quando se refere às  “configurações práticas”, fala de ações reais, e não do que é esperado, imaginado ou estipulado. Ao referir-se à “prática” comenta que a ação formadora da masculinidade tem uma racionalidade proposital e um sentido histórico definido. Quanto à “posição dos homens” referencia-a às relações sociais. Ao referir-se à estrutura de “relações de gênero” utiliza a palavra gênero em sentido amplo, compreendendo economia, estado, família, sexualidade, política, nação, sendo o gênero “sempre uma estrutura contraditória”. Utilizando esta conceituação, o autor afirma que não podemos falar em somente uma, mas em diversas masculinidades sócio-historicamente construídas, sendo uma delas a portadora de um status de “hegemônica” e as demais masculinidades periféricas.
A partir da leitura desses autores, consideramos importante compreender as sociabilidades por meio das relações sociais entre as meninas e os meninos na escola, o que significa realizar uma observação de como os meninos e as meninas, os grupos, relacionam-se em seus encontros e desencontros. Os encontros não seriam, também, uma necessidade de troca nos dias de hoje? Tal indagação levou-nos a refletir sobre as culturas da infância e as sociabilidades na escola, envolvendo um diálogo sobre as possibilidades de relação proporcionadas às crianças no ambiente escolar, e como estas se relacionam com os objetos e com os outros neste espaço. 


Considerações sobre nossa experiência


Como a intenção deste trabalho foi compartilhar a experiência dos encontros com as crianças e a questão do gênero foi surgindo como fator reflexivo no processo de trabalho, gostaríamos de destacar algumas considerações sobre nossa experiência. Uma das mais relevantes deste trabalho até o momento, foi possibilitar um espaço de conversa com as crianças e estar aprendendo a desenvolver um olhar antropológico sobre as culturas infantis e a importância do gênero na sociabilidade, no ambiente escolar. Destacamos, entretanto, que ainda não foi possível desenvolver uma análise sobre as formas de sociabilidade e sua relação com o gênero e as culturas infantis.  Foi possível apenas perceber nos desenhos a identificação do masculino e do feminino, o que podemos exemplificar com alguns desenhos significativos das crianças. 
Num dos desenhos da turma das crianças de 5 anos,  realizado com caneta hidrocor, uma menina divide o papel em duas partes com uma linha. De um lado, desenha as brincadeiras dos meninos e, do outro lado, ela desenha as das meninas.  




Desenho 1


Além das bolas e pranchas para os meninos e a  casa para as meninas, um garoto  do 1º ano do ensino fundamental desenhou para os meninos: bonecos, bicicleta, motocicleta, carrinhos e jogo de futebol e, para as meninas: bonecas, bicicleta,  aparelho de som e flores. A menina do 2º ano do ensino fundamental desenhou, para os que meninos, as pipas e, para as meninas, as brincadeiras de casinha e corrida.  

                                                                 
Desenho 2
Cabe ressaltar a construção do masculino e do feminino nestes desenhos, onde aparece a divisão entre meninos e meninas, sugerindo relações entre as formas de viver a masculinidade e a feminilidade e as culturas infantis. 


Agradecimentos


Nossos agradecimentos ao CNPQ pela concessão de bolsa de iniciação científica, à FAPERJ pela realização da pesquisa junto aos grupos – Devires da Educação na Baixada Fluminense e Antropologia e Educação – e às professoras Célia Linhares, Lucia da Silva e Miriam Santos, que vêm generosamente compartilhando nossas reflexões. 


Referências bibliográficas



CRUZ, Silvia Helena Vieira(org.). A criança fala. São Paulo: Cortez, Editora, 2008.


Educ. Soc., Campinas, vol. 28, n. 100 - Especial, p. 1059-1083, out. 2007. Disponível em http://www.cedes.unicamp.br


VELHO, Gilberto. Entrevista concedida a Celso Castro, Lucia Lippi Oliveira e Marieta de Moraes Ferreira em 3 de julho de 2001. Estudos Históricos. Rio de Janeiro. N. 28, 2001, p. 183-210. 


DAUSTER, Tania (org.). Antropologia e Educação. Rio de Janeiro: Forma & Ação, Editora, 2007.


BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina. Rio de Janeiro: Bertrand, Editora,1997.   CONNELL, Robert. Políticas da Masculinidade. Educação e Realidade, Porto Alegre. Vol. 20 (2), 1995.




*                  Esse trabalho vincula-se  aos  grupos de pesquisa – Antropologia e Educação e Devires da Educação na Baixada Fluminense. Estudantes bolsistas do curso de  Pedagogia da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, do campus Nova Iguaçu,  vinculados ao Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência, participam do projeto de pesquisa “CIDADE, INFÂNCIA E ESCOLA: PRODUÇÃO DE SUBJETIVIDADE E DESAFIOS PARA A EDUCAÇÃO”  financiado pela FAPERJ sob a orientação da professora Cássia Maria Baptista de Oliveira, lotada no Departamento de Educação e Sociedade (cassiaufrrj@gmail.com)..
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